
Ela abriu o mesmo sorriso caloroso de mais cedo. Ele enxugava as mãos na roupa, e nem saberia dizer se sorriu de volta, nervoso, mas de certa forma aliviado por não estar sozinho no meio da confusão. Respirou fundo e aí sim sorriu, mas ficou com medo de que o sorriso saísse falso, num esgar ridículo. Disse o que veio à mente, explicando-se.
— Eu não estou muito bem, desculpa.
— O que você tomou, rapaz?
— MDMA. Primeira vez.
— Não gostou?
— Estava até bom quando eu vi você.
— Eu percebi. Tava alucinado. Você não é de rave, dá pra saber.
— Não, vim experimentar.
Cássio já tinha relaxado, ajeitou a camisa e passou a mão pelo cabelo. Eles haviam caminhado um trecho pela área menos apinhada de gente e se estabelecido junto a uma pilastra envolta em tecido branco, que arroxeava como a tiara que ela àquela altura já não usava.
— O que aconteceu com as antenas?
— Nossa, só vi agora – disse passando a mão pelos cabelos castanhos presos e sorrindo novamente.
— Como é seu nome?
— Vera, o seu?
— Cássio – nisso ele estende a mão direita e ela oferece a dela para ser beijada.
— Enchanté.
— Uau, um gentleman.
— Até agora eu só pensava em você como mulher-gato.
— É bem por aí – soltou uma risadinha – quer dizer que ficou pensando?
— Claro que sim, estou feliz em te encontrar.
— Tá melhor?
— Bem melhor, sim. Mas queria estar em casa – diria ‘com você’ ou era demais? Era demais – estou exausto.
— Pois é, que merda é essa agora? A polícia nunca acabou com a festa assim. Alguma coisa terá acontecido.
— Pois eu sei o que aconteceu.
— Sério? E o que foi?
— Meu amigo, meu colega, estourou a blitz da polícia rodoviária.
— Não acredito!
— É ele que estão procurando. Por falar nisso, olha lá ele.
Cláudio saía cabisbaixo e com as mãos para trás da porta do escritório, escoltado por um PM, pelo corredor que a multidão havia aberto.
— Ah, eu sei quem é ele. Não é a primeira confusão que ele se mete. Mas dessa vez ele se superou.
— Trabalha comigo. Já tinha comprado ácido com ele, mas não somos mesmo íntimos. O problema é que não sei como volto para casa.
Neste momento, a maior parte das pessoas estourava rumo à saída, que havia sido liberada, mas algumas ligaram música numa caixinha portátil e retomavam a dança celebrando o fim do impasse.
— Volta comigo, Cássio. – e seu sorriso agora tinha uma conotação a mais, talvez pelas sobrancelhas arqueadas.
— Com prazer, Vera. – e sorriu, agora franco e despreocupado.
— Só acho que minha amiga quer ir até de manhã cedo.
— Aquela que te carregou pra longe?
— Ela, a gente combina de não pegar ninguém em rave. Sempre complica tudo.
— E você não quer abrir uma exceção?
— Bem, eu já me perdi dela mesmo.
Ele se aproximou e ela ajustou a postura de modo que sua estatura, maior que a dele, não atrapalhasse o beijo, que se desenvolveu com naturalidade e até moderada volúpia desde o início. Ele laçou sua cintura e ela tinha os braços por sobre seus ombros. Foi quando a música recomeçou na tenda principal. Vera se devencilhou e tomou-lhe pela mão, e sem chance de oposição arrastou-o até até a fonte das batidas. Sacou da pequena bolsa de couro preto um estojinho plástico, de lá um comprimido, que foi à boca, e o envolveu em mais um longo beijo, não sem antes dizer no ouvido de Cássio: confia em mim.
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