Estava sendo entediante para Igor, já no segundo dia, uma reunião de família em que as conversas eram quase sempre banais e os parentes quase todos reacionários. Ele lia à beira da piscina, e ainda teve de suportar gracinha de uma tia sobre seu peso, quando veio a notícia de que uma prima sua estava chegando para se juntar à parentada. Todos conhecem histórias de iniciações entre primos, mas dela ele só conseguira constrangimento, muitos anos antes quando eram moleques. Ele a cumprimentou, sem jeito por estar em traje de banho, e estendeu a mão ao namorado dela. “Igor, esse é o Ramon,” disse Tássia, já então uma morena linda. Ele era um tipo meio hippie, cabelos cacheados, e depois de alguma conversa se revelou um interlocutor interessante. Depois Tássia seguiu cumprimentando outros parentes e os dois prosseguiram, discutindo música, descobrindo que ambos tocavam um instrumento e gostavam de rock progressivo, e logo após estenderam-se sobre a vida universitária, surgindo inevitavelmente a pergunta, feita quase em uníssono: “você fuma?”. Obviamente, a resposta de ambos lados foi uma gargalhada que dizia “sim”. Igor tomou a iniciativa: “Eu trouxe um, vamos ali atrás daqui a pouco”. Ficou combinado, e Ramon foi reencontrar sua namorada. Igor não descansou, pôs-se ao trabalho. Era um prensado duro, resinoso, e dichavar o fumo demorava e deixava a mão melada, tanto que foi difícil apertar com a sedinha grudando nos dedos. Mas saiu-se bem. Vestiu uma roupa e pôs o baseado no maço de cigarros. Abriu uma cerveja e fingiu interessar-se por uma conversa ou outra, até que Ramon surgisse, estalando os dedos num gesto que diz “vamos adiante!”. Os dois não se esforçaram em ser discretos, e saíram pela frente da enorme casa até um pátio em que alguns carros estavam estacionados, e que ligava até a casa do caseiro; prosseguindo, chegava-se a uma colina coberta de pasto, no topo da qual havia uma árvore baixa e retorcida. Sob a árvore Igor tentava acender o beque sem sucesso, o isqueiro não funcionava. “Caramba, eu acabei de usar”; “É o vento”. Proteger com a camiseta ou chacoalhar o isqueiro, rodar ao contrário o acionador, nada resolveu, e era preciso voltar. Mas como no caminho havia várias postas de esterco, a segunda pergunta se ofereceu naturalmente, sobre tomar cogumelo. “Cara, é o tempo perfeito, verão, chove e faz sol, deve ter um monte aí pra cima”, provocou Ramon. Igor respondeu olhando em volta e detectando o primeiro. Estava meio ressecado, como se estivesse ali já há um tempo, sendo tostado ao sol dos últimos dias do ano. Mas era inconfundível, com seu chapéu amarelado, de topo marrom, a haste que fica azulada ao se quebrar. O anel em torno da haste já se rompera. Não era um cogumelo bonito, mas tinha um significado: significava que bastava procurar que outros lá estariam. Igor resolveu buscar o fogo e pediu que Ramon seguisse procurando. Ao lado da churrasqueira ele achou uma caixa de fósforos e voltou correndo com ela. Ramon já havia achado mais três. Isso já era o bastante para duas pessoas, sem dúvida, mas eles seguiram vasculhando o pasto enquanto fumavam e cada um achou mais dois. Era uma colheita espetacular, que voltou abrigada na camiseta de Igor até a sede do rancho. No caminho, faziam seus planos, de modo que enquanto o até pouco entediado gordinho metido a intelectual foi esconder seu tesouro do reino fungi, o músico aspirante, que tampouco esperava ser recebido daquela maneira, passou na casa do caseiro e pediu emprestada a sua esposa uma panela pequena de alumínio. Os dois trocavam sorrisos cúmplices enquanto conversavam mais um pouco com Tássia e aguardavam o almoço. Igor comeu pouco e logo após a refeição comunicou à família que iriam a uma cachoeira. Sua mãe recomendou juízo. Ramon se despediu de Tássia, que não se zangou, só pediu que não demorasse.
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