O acesso era difícil, meio escondido, contornando o porto pertencente à companhia de petróleo, e dava para uma pequena enseada de areia escura, que traçava um arco entre o porto, protegido por uma tela alta, e uma rocha enorme, a qual o mar esverdeado não cessava de golpear com suas ondas de espuma branca. No meio da praia havia um tronco, e terra adentro havia uma vegetação arbustiva e então um morro coberto de uma mata densa. A temperatura era amena e o sol já não era intenso, ainda que a luz fosse abundante e o céu de um azul plácido, quando Bogó e eu atingimos a Praia do Martino. Estávamos sós e o ácido estava batendo forte àquela altura. Eu revia um amigo de longa data depois de muito tempo e isso mereceu uma celebração lisérgica. Celebração em termos, porque há sempre uma ansiedade envolvida na viagem, mas naquele dia eu estava sabendo lidar bem com isso. Corri até a água sentindo cada grão de areia sob meus pés, que uma vez imersos sentiram a conexão imediata com todas as moléculas de água de todos os oceanos, e de repente eu estava em toda a parte. Expliquei ao Bogó minha epifania: “não há separação entre os átomos”, e ele ria enquanto se preparava para pular na água. Eu tinha até medo de me diluir no mar, então evitei mergulhar e me sentei no tronco. Conversava displicentemente com o parceiro de aventura, mas dedicava mais atenção a observar à minha volta. A areia estava cravada de incontáveis buraquinhos que eram moradia de pequeninos crustáceos, e me pus a me imaginar vivendo a vida dos mini-caranguejinhos, trocando de carcaça e começando tudo de novo quando a água invadisse minha toca. Olhei à minha direita, onde havia um rochedo alto e um tanto de pedras de diversos formatos amontoadas umas sobre as outras, e me punha a imaginar desde que um vulcão cuspiu lava e aquela rocha se formou, passando por bilhões de anos de erosão e movimentos tectônicos de modo a que tivessem aquela configuração específica, que de modo algum poderia ser outra. Era possível ver as marcas da maré na pedra, indicadas pela presença de algas e líquens, e na parte mais longe da areia era possível ver os sururus cravados na pedra, quando o mar recuava. Pelo menos eu não tive que me imaginar como um sururu desta vez. A onda bateu então mais forte, e eu me deitei na areia, olhando o céu translúcido. Pequenos formatos geométricos se destacaram da monotonia azul, algo como se o céu fosse uma tela de um jogo de encaixar, e eu estiquei o dedo para jogar, mas só atingi meu nariz e fiquei fazendo sons sem sentido, enquanto o Bogó, que saíra da água se ria gostosamente. Decidimos fumar, e para isso fomos até as pedras. De perto, eu pirava ainda mais naquelas mil formas empilhadas, nos veios da rocha, e tentava não escorregar, a caminho de uma pedra grande que se projetava no mar. Talvez nem fosse prudente fumar no ápice da onda, mas eu estava confiante. A conversa seguiu sobre a grande toleima humana e eu continuei reparando nos detalhes. Havia uma incipiente vegetação grudada à rocha, desde musgo até aquela planta espinhenta que parece bromélia mas não é. Olhando para longe do mar, apreciava a restinga, e a variedade de tons de verde saltava à minha vista turbinada, já o morro parecia uma grande ovelha de lã verde escuro. Eu tinha certeza que podia me comunicar telepaticamente com qualquer animal naquela mata. “I am the Walrus!” E o mar, que espetáculo, estava revolto e castigava o penedo em grandes explosões, e eu me deixei levar de novo na “trip” geológica até a formação dos oceanos, quando a terra era coberta de fogo e a litosfera… “litosfera, mano, a crosta terrestre! você sempre foi mau aluno.” O baseado potencializou mais a onda, como era esperado, e quando decidimos voltar, eu me sentia muito inseguro ao andar nas pedras, voltei à base e tentei recobrar o domínio de mim mesmo. Realmente não era prudente fumar aquela hora, e eu entrei numa “bad” de culpa, até que o Bogó voltou e tentou me acalmar, eventualmente conseguindo. Conversamos mais um pouco até que eu tirei a roupa e pedi que ele a levasse até a praia, o que mesmo protestando ele fez. Faltava alguma coisa naquele dia. Eu podia até me diluir, não ligo mais. Foi uma sensação maravilhosa afundar na água gelada.
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